Uma divisão cultural e histórica da África
Os historiadores europeus dividiam a África cultural e historicamente em duas: uma África branca ao norte, com contatos constantes com a Europa e a Ásia (a região da Palestina) e uma África negra ao sul do deserto do Saara, isolada e sem contanto com o mundo pretensamente civilizado.
O critério da cor para se falar de seres humanos merece críticas. Os seres humanos somos todos de uma mesma raça com diferentes etnias facilmente percebidas por uma característica externa, a pigmentação da pele. No entanto associou-se a pigmentação da pele dos europeus à cor branca, a dos africanos à negra, asiáticos à amarela e indígenas americanos à cor vermelha. Ideologicamente é feita uma leitura onde à cor branca associam-se aspectos positivos e à negra aspectos negativos.
Uma possibilidade de se entender e estudar a África é buscar características específicas da África e não modelos externos a ela. Assim, existe a proposta de dividir-se a África em uma África mediterrânica (Argélia, Marrocos, Líbia, Tunísia e Egito), de fato pela proximidade com maior influência tanto europeia quanto muçulmana e outra, localizada ao sul do Saara, onde, com exceção da África do Sul, em que a população de origem não africana (europeia e asiática é de quase 20%) nos demais essa população não africana é de menos de 5% e em muitas regiões inexistente, tornando a África subsaariana um grupo histórica e culturalmente africano, embora dividido em grupos culturais com especificidades distintas.
África mediterrânica
As informações mais antigas acerca dos povos africanos referem-se ao Egito, onde floresceu a 5 mil anos, no vale do rio Nilo, uma civilização que durou mais de 2 mil anos e deixou algumas marcas de sua grandeza, com grandiosas obras arquitetônicas e artísticas conservadas até a atualidade. Ainda na região do Nilo, outra civilização grandiosa foi a Núbia (750 a.C.), localizada na forquilha formada pelo encontro do Nilo Branco com Nilo Azul. Nessa região localizada no atual Sudão, houve sucessivos reinos que se impuseram sobre seus vizinhos.
Desde o início da era cristã, temos notícias de cristãos e judeus, tanto no delta do rio Nilo (Alexandria) como no Sudão e na Etiópia.
Mais tarde, após o século VII e VIII (após o ano 650) com a expansão muçulmana essa região é dominada pelos árabes.
O Saara, ao contrário do que os europeus pensavam sempre foi habitado por inúmeras tribos de “tuaregues”, um povo nômade que especializou-se na domesticação de camelos e atravessa o deserto de norte a sul e de leste a oeste a milênios. São eles os responsáveis pela ligação comercial e cultural entre o norte mediterrânico e o restante da África.
Os comerciantes tuaregues ligavam toda a região ao norte islamizado da África. Eles foram os principais difusores do islã por toda essa região que corresponde mais ou menos aos atuais países do Sudão, Chade, Níger, Mali, Burkina-Faso, Mauritânia e a região do Saara Ocidental no Marrocos. Foi aí que se formaram os antigos impérios de Gana (séculos VI a XIII), Mali (séculos XIII a XVII) e Songai (séculos XVII e XVIII).
África subsaariana
Os grandes impérios e civilizações que se organizaram nesta região foram mais ricas e exuberantes nas margens dos rios Níger e Senegal (na África ocidental) e Congo e Cuenza (na África central). A margem desses rios eram extremamente férteis e possibilitando a agricultura e a comunicação. Esses rios também favoreciam as atividades comerciais, que se serviam deles como vias de locomoção. As canoas eram os principais meios para transportar as cargas das caravanas que iam e vinham ligando as áreas de floresta ao deserto e aos portos do Mediterrâneo, aos quais as mercadorias chegavam em lombos de camelo.
Na região que abrange do leste do rio volta até o delta do Níger – terra dos (...)povos iorubas e muitos outros – existiam reinos, cujos chefes controlavam áreas consideráveis, se cercavam de pompa e privilégios, promoviam a construção de edifícios elaborados e estimulavam a confecção de objetos que impressionam até hoje pela beleza. Esses reinos tinham ligações entre si e com Ifé, espécie de cidade-mãe na qual se originaram as formas de organização política e social das outras cidades da chamada Iorubalândia ou Iorubo. Dessa região saiu grande parte dos africanos traficados para a América como escravos, por causa das vantagens que apresentava, como a abundância de oferta. Esses eram os prisioneiros das guerras entre diferentes grupos locais, vendidos aos comerciantes europeus.
Mais ao sul, na região do rio Congo, viviam e vivem, povos que chamamos de bantos, que tem uma origem comum, falam línguas semelhantes, e suas religiões e maneiras de se organizar são parecidas. Eles teriam partido do atual Camarões, de onde se espalharam por toda a África central, oriental e do sul, onde antes viviam povos com um tipo físico diferente, de baixa estatura e cujo idioma era caracterizado pela emissão de estalidos. Esses povos eram nômades e viviam de caçar e coletar o que encontravam na natureza. A partir de 1500 a.C. foram afastados ou se misturaram a grupos bantos, que fizeram a maior migração que se tem notícia na África... Eles eram agricultores, sabiam fazer instrumentos de ferro e iam ocupando terras desabitadas, se misturando aos antigos moradores ou expulsando-os para outros lugares.
Nas bacias dos rios Congo e Cuanza e nas terras ao redor também havia, como na África ocidental, uma variedade de povos falando línguas aparentadas, com modos de vida semelhantes.
Mais ao sul viviam os remanescentes dos povos coletores e caçadores desalojados pelos bantos, os bosquímanos e também os hotetontes, que haviam aprendido a pastorear o gado.
Fonte: Souza, Marina de Mello e. África e Brasil Africano, 2ª Ed., São Paulo, Ática, 2007, pp.14-23.